sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Miséria e coragem

José Alberto Vasconcellos *
Com a meticulosidade de um químico, que manipula frações de gramas ou partículas do nada, dona Matilde colocou arroz, feijão e depois um ovo em cada uma das duas marmitas. As quantidades estavam, religiosamente, iguais. Cortou depois um tomate em duas partes, também iguais, e colocou cada uma das metades em uma das marmitas.
Viúva, preparava ali o almoço dos seus dois filhos, um com vinte e outro com dezessete anos, que iam para o trabalho numa construção. Não. Não eram pedreiros, trabalhavam como serventes por diárias, quando havia serviço.
Cada um pegou sua marmita e sua bicicleta, ao saírem ouviram a mão gritar: — Já coloquei sal no tomate! Não voltem tarde, do serviço para casa! Ouviram?
E lá se foram “os homens da casa” que trabalhavam para sustentarem-se e também a mãe, desde que o pai morreu havia cinco anos. Florêncio, o marido de dona Matilde, pai dos moços e de uma moça já casada, morreu esperando um exame do SUS e um vidro de remédio da Prefeitura. Houvesse assistência, seguramente estaria vivo, trabalhando e cuidando da família.
Viveu na miséria, embora tenha trabalhado sem esmorecer por toda a vida. Apenas foi infeliz, em nascer num país onde as pessoas pobres valem pouco e o dinheiro dos impostos têm destino diverso de onde deveria ser aplicado, como na saúde.
Dona Matilde nunca consegue conter as lágrimas sempre que se lembra do marido no corredor do hospital, esticado numa maca esperando atendimento. Já nos últimos momentos da vida, não tinha conseguido em tempo, os exames que o médico recomendara, oito meses antes. Tampouco teve acesso aos remédios que poderiam, pelo menos, dar-lhe mais um tempo de vida, até conseguir fazer os exames especializados e o correspondente tratamento, conforme orientação daquele mesmo médico que, indiferente e enfastiado o atendera no Posto de Saúde.
O Florêncio partiu sem banda de música, sem discursos, num caixão barato e sem flores. Seu corpo foi, na legítima acepção da palavra, enterrado. Pessoas importantes são sepultadas com música, discursos e muitas coroas de flores.
Os insignificantes feitos do Florêncio: trabalhou como burro de carga a vida toda, para melhorar a vida das outras pessoas, m nunca conseguiu, um pouco que fosse, melhorar a própria; sequer conseguiu comprar uma modesta casa para morar. A viúva, sem nenhuma pensão do marido, vivia escorada no trabalho dos filhos, morando de aluguel.
O pouco que os filhos ganhavam, pagos o aluguel, a conta de luz, da água e comprado o gás, quase não apresentava sobras para as demais despesas com alimentação e outras necessidades elementares.
Muito religiosa, dona Matilde vivia resignada com a maldade do mundo: — É a vontade de Deus, que eu viva nessa miséria sem fim. Desde que me entendo por gente, sempre convivi com a necessidade. Meu pai era pobre! Meu marido era pobre! Agora eu e meus filhos somos pobres e temos que lutar cada dia das nossas vidas, do nascer ao por do sol, por um teto e um prato de comida. Graças a Deus que ainda temos saúde, fraca e precária, mas temos!
— Meu marido, coitado, tropicou na saúde. Faltou-lhe comida suficiente para enfrentar o serviço pesado dos dias, dos meses e dos anos em que viveu e trabalhou. Aquele modo de vida despertava em mim, sua esposa, aflição e uma imensa dor por não poder fazer nada para ajudá-lo. Faltou-lhe depois, assistência e os remédios necessários. O reconhecimento por tudo que fez: morreu à míngua de socorro e com fome!
—Ninguém viu nele um ser humano, um filho de Deus carente de comida e de saúde; de uma casa para morar e ali criar sua família!
Assistia razão à dona Matilde. Razão de sobra!
Existe uma faixa de criaturas humanas vivendo abaixo da linha da pobreza. São tratadas como objetos úteis para serem exploradas no trabalho, mas desprezíveis como seres humanos. O costume é antigo: os Belgas, Alemães e Ingleses, na África, na Índia e outros países da Ásia, dizimaram etnias inteiras pelo trabalho escravo e pela fome.
A corrupção nefasta e generalizada esvazia o Erário e balda qualquer boa intenção no sentido de acudir os miseráveis.
Os políticos repartem o butim; os pobres dividem um tomate!
*Bacharel em ciências jurídicas e sociais.Foto - africano, men, 
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Não mais. Não mais!

 
José Alberto Vasconcellos
Não mais se sentarão à mesma mesa para o jantar. Não mais guardarão as escovas de dentes no mesmo banheiro. Não mais dividirão para o banho, o mesmo sabonete. Não mais pisarão no mesmo tapete. Não mais repartirão o mesmo colchão. Não mais dividirão opiniões e tampouco guardarão seus pertences pessoais no mesmo armário.
Não mais se olharão nos olhos. Não mais trocarão juras de amor. Não mais palmilharão o mesmo caminho, à mesma hora. Não mais olharão as horas no mesmo relógio de parede. Não mais usarão a mesma caixa postal. Não mais tomarão o leite fornecidos pelo mesmo leiteiro. Não mais comerão da comida feita na mesma panela.
Não mais olharão pela mesma janela, ou abrirão a mesma porta que dá para o jardim.
Não mais ficarão de mãos dadas no dia de Natal defronte à Árvore, com os olhos brilhando de emoção. Não mais comemorarão juntos o aniversário de cada um e tampouco trocarão presentes, sorridentes e felizes. Jamais dividirão os elogios àquelas receitas que só um sabia fazer. Não mais desejarão um bom dia à mesma empregada.
Não mais fornecerão o mesmo endereço. Não mais entrarão juntos na mesma Declaração do Imposto de Renda. Não mais sairão juntos na mesma foto.
Não mais um se beneficiará da carona, que sempre desfrutou do automóvel do outro. Não mais assistirão juntos a mesma novela. Não mais brincarão juntos com o mesmo gatinho. Não mais farão cafunés entre si, enquanto conversam amenidades do dia-a-dia. Não mais terão os mesmos sogros. Não mais comerão juntos, a canja de galinha divina, que só a sogra de um deles sabia fazer.
Não mais trocarão confidências. Não mais recordarão juntos acontecimentos engraçados ou interessantes. Não mais se sentarão frente à janela, para verem a lua nascer grande, bonita e com mais claridade nos meses de maio. Não mais se lembrarão daquele lugar secreto, que só eles conheciam.
Não mais planejarão onde passar as férias. Não mais dividirão o mesmo E-mail. Não mais, juntos, falarão mal do governo ou do deputado ladrão. Não mais, um terá prazer, em ver o outro.
NÃO MAIS, juntos, cuidarão do filho que puseram no mundo. Não mais viverão em harmonia, discutirão até o dia do Juízo Final, o direito à guarda do filho e o valor da pensão. Não mais sorrirão realizados, assistindo as travessuras do bebê, de quem, irresponsavelmente, tiraram o lar.
Não mais o inocente bebê, sem entender o que aconteceu, verá os pais juntos. Não mais os pais juntos, acompanharão o crescimento e o desenvolvimento da personalidade do filho. Não mais juntos, sonharão com o dia em que teriam o primeiro neto.
Não mais caminharão juntos pela mesma estrada. Cada um decidiu tomar direção própria, em busca de espaço para respirar – a desculpa, aquela de sempre: o tédio, o desinteresse mútuo, os dias enfadonhos que se repetem...sempre o mais do mesmo! A atração e o amor tem agora outro nome: repulsa, ódio, ressentimento. Longe ficaram os elogios.
Não mais habitarão a mesma casa!
Onde estiverem, um dia certamente olharão para traz e, apuradas as desilusões, contabilizado o que se plantou e o que se colheu, aferida as sobras da vida vivida, concluirão se valeu a pena destruir o lar, liquidar um sonho de amor e tentar, por fim, dividir um filho; tudo ao custo de bobagens e de tolices, moedas que compram e pagam a intolerância entre os casais.
Longe estiveram de imaginar, que vida fora do lar é realista, cruel e irreversível. Auto comiseração ou o cultivo da injúria contra quem se amou, não aplacam o sentimento de abandono e de injustiça. A vida continua: ninguém confessa o arrependimento, a desilusão e o orgulho ferido.
Valeu a pena a longa e solitária caminhada, sobre o tapete da tolice? Valeu a pena entregar-se a sentimentos idiotas, que afastam as pessoas da missão delegada às criaturas de Deus, neste mundo.
Recapitulada a vida daqueles que dividiram a família e abandonaram o lar, tropica-se em cada curva, nas reiteradas frustrações, arrependimentos e numa solidão que parece nunca ter fim.
O tempo não permite voltar. Melhor a humildade da tolerância, que os arroubos do orgulho!
Não mais!
*Membro da Academia Douradense de Letras.
Gif Animado Orkut"OBSERVAR OS PEQUENOS SERES VIVOS QUE ESTÃO NA NATUREZA, NOS PROPORCIONA MOMENTOS DE CUIDADO COM O MAIS NOBRE SENTIMENTO QUE DEUS NOS DEIXOU, A SENSIBILIDADE".
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quinta-feira, 25 de agosto de 2011